quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Por um tempo (sempre acaba)

Para Nicole
 .
— Eu ainda não acredito que você vai embora. — Diana pega impulso no ar com o balanço.
— Não é como se eu fosse para sempre. — Clara faz o mesmo.
— Se fosse porque sua mãe foi transferida ou algo do tipo... Mas você escolheu ir Clarinha. Você só vai porque não para de brigar com ela. Pff. Ninguém disse que seria fácil.
— "No one ever said it would be this hard"
— Eu tô falando sério Clarinha, porque o que parece é que você nem pensou na gente, nas tuas amigas, nos teus amigos. Em todas as pessoas que você vai deixar aqui... Só em você. Que você vai e pronto, que quer ir. Por puro egoísmo.
Clara para. Pega impulso com o chão e se atira do balanço. Sem esperar pela competição como faziam quando pequenas. Rola no chão e depois senta, olha bem para a Diana com os olhos cheios de lágrima. Por que ela tinha que tornar tudo tão difícil? Não é a primeira vez que falamos sobre isso. Eu já esperava por algo do tipo, mas não desse jeito. As palavras lhe atingiram em cheio. Ela nunca tinha usado “egoísmo”. Fora direta, rápida. Como o último soco de uma luta de Boxe. Nocauteada pela própria amiga. E doía, muito. Mas não se deixou abater, levantou-se. Continuou a encarar o olhar da outra, já sabia como lidar com a Diana. Os anos lhe davam essa vantagem.
— Hipócrita. Você sabe que não é nada disso. Você sabe que eu vivo com a minha mãe desde sempre. Que nos últimos anos a nossa relação tem sido horrível e só vem piorando. A gente precisa de um tempo, e dois meses de férias não basta. Di, tantos foram os dias e noites que perdi pensando nisso, procurando outras soluções. Tendo conversas comigo mesma. Mas não deu pé. Eu não quero ser uma daquelas mulheres de trinta anos que mal falam com a própria mãe. Deixa a poeira baixar que eu volto, prometo. É só por um tempo.
Diana não responde nada. E aquele silêncio parece pior do que qualquer outra palavra que pudesse sair de sua boca. Respira fundo, para de encarar o chão. Vê Clara hesitar, pensar em ir embora. Sente a dor e o peso da culpa em suas costas. Não pensa duas vezes, com um impulso básico pula do balanço em cima da amiga. Elas rolam um pouco e param.
— Desculpa. Eu sei. E a gente já teve essa conversa antes. Você sabe o quanto odeio me sentir um disco arranhado, mas só não consigo acreditar. Não dá. É triste demais.
Deitam-se lado a lado na grama do parque. Sentem uma vontade de chorar mútua. Respiram fundo mais uma vez, as duas. E como um só ser, ambas deixam uma lágrima rolar até o chão. Perder-se naquela floresta para formigas. Em busca de um caminho, uma direção. Levando consigo um pouco da angústia de dois corações.
— Sabe, “por um tempo” pode ser bem relativo. Às vezes pode até durar pra sempre. — Diana deixa a última frase no ar. Não falam mais nada. Apenas tentam não acreditar naquilo.
Minutos passam e o silêncio deixa de ser reconfortante. Diana abre os olhos e vira a cabeça para amiga. Está de olhos fechados, concentrada em sua respiração, sentindo a leve brisa acariciar seu rosto. Faz o mesmo. E então é a vez de Clara. Abre os olhos e observa Diana. Volta a olhar o céu, limpo, cheio de estrelas, a lua crescente, lindo. Respira fundo mais uma vez e pega a mão da amiga. Aperta-a forte. A outra desperta de um quase sono. Aperta a mão de Clara de volta. Entendeu. É hora de ir.
— Olha, não me apronta demais por lá tá? Não sem mim. — Diana começa, segurando o choro. — Mas aproveita muito, e não te apaixona por ninguém senão depois tu não queres mais voltar. E teremos um problema. — Risos leves. — Não esquece por nada de mim. Por favor. Pode parecer bobagem, mas falo sério. Nós tivemos nossos desentendimentos, nos afastamos, reaproximamos e nos afastamos de novo. Mas primeiro que você é aquela pessoa que no fim eu sei que posso sempre contar e espero muito que seja um sentimento recíproco. Espero que você saiba que quando precisar eu to aqui. Segundo que uma vez eu li na internet que “amigas de verdade não se separam, apenas seguem caminhos diferentes”, ou algo do tipo. Pode ser piegas o quanto for, mas eu tinha que te dizer isso...
Clara não deixa a amiga terminar, abraça-a forte. Um abraço de anos de amizade, de amor fraterno, de lembranças, de saudade antecipada. Diana aperta-a de volta. Compartilhando tudo aquilo. Pensando em como vai conseguir viver sem ela. Ainda não chegou a uma conclusão. Porque mesmo que não estivessem se vendo todo dia ela fará falta. Muita falta.
Antes que Diana possa continuar Clara olha-a bem nos olhos.
— Só me promete uma coisa Di, que você não vai chorar, nunca. Não por eu ir embora. Porque mais do que qualquer palavra, silêncio ou suspiro, te ver chorar iria doer mais. Demasiadamente mais. Poxa, você é a Diana, porra. A forte, a inteligente, a que pensa antes de agir, mas comete a loucura só para curtir. A que entende, que consola, que ajuda. Você não chora por qualquer coisa...
— Isso não é qualquer coisa.
— Mas não é uma coisa importante. Eu volto, já disse. Pronto. — As duas se ajudam e levantam. — E mais uma coisa, eu te amo, cacete.
— Eu te amo, porra.
Ainda havia muito o que dizer, mas aquelas três palavras, aquelas sete letras, elas resumiam tudo. Da mais perfeita maneira. Mais um abraço. Mais forte, quase sem fim.
Caminharam juntas para casa, trocando poucas palavras. Brincando uma com a outra, lembrando. Os melhores momentos, as melhores piadas, os dramas inúteis e infantis. Chegaram à frente da casa de Clara, Diana morava cinco casas para lá, bem perto. Pararam. Suspiros. Era agora.
— Não esquece tá?
— O quê?
— De mim, e que eu te amo. Ponto.
— Nem você de mim. Eu é que te amo. Ponto.
Riem, mas só por um breve momento. Mas uma longa respiração. Clara vai dizer algo antes de lhe dar mais um abraço, mas Diana interrompe.
— Tenho que ir. Tchau Clarinha. Boa viagem.
Uma mão no ombro, um meio sorriso, nenhum abraço. Clara fica atônita, sem entender a atitude da amiga, decepcionada. Virou-se e saiu andando rapidamente, sem lhe dar tempo para o último abraço em algum tempo.
O vento levava os cabelos de Diana, empurrava-os para todos os lados. Brincava de bagunçá-los. As lágrimas também. Fazia com que caíssem numa trajetória torta, agitadas, uma tempestade de águas salgadas. Carregadas de dor, tristeza e algo mais. Saiu rapidamente de perto da amiga. Afastou-se para não fazê-la sofrer. Para manter a promessa. Ainda hesitou em voltar correndo e lhe dar aquele último abraço, mas agora não tinha mais volta. E já tinha prometido. Preferiu a sua dor à dela.
Mas aquele “não abraço” doeu tanto em uma quanto na outra. Ambas tinham medo. Medo de tudo que havia por vir. Medo do presente. Medo do futuro. Medo de não conseguir. Medo de tudo dar certo só para uma das duas. E apenas medo.
Chegaram em casa, entraram em seus quartos, ligaram o computador. As duas aparecendo offline, as duas em silêncio. Uma música. Duas meninas, amigas, que se amam mas vão se separar. No fim da canção, uma certeza. "O para sempre, sempre acaba".