quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Começos


Era linda. Mesmo depois de tanto tempo. Não cansava de olhá-la. Não havia como. Envolvida pelo algodão tornava-se mais angelical, e ele sentia-se nas nuvens, sempre. Não acreditava. Lembranças.
Conheceram-se não havia muito tempo. Em um parque qualquer pela cidade. O mais bonito. Talvez a presença dela o tivesse transformado, o parque e o homem. De vestido florido e cabelos ao vento ela lia. Pouco se importava com o mundo a sua volta, estava em outra dimensão.
Ele passava pela árvore, na qual ela se encostara, pela milésima vez. Ensaiava um cumprimento. Olá como vai. Não era bom, nada discreto. Resolveu se aproximar, assim, como quem não quer nada. Compartilhar da paz imensurável que dela transbordava. Ai. Caiu.
Perfeito. Ela olhou. Riu. Devia prestar mais atenção por onde anda. Ele concordou. Cumprimentos, um aperto de mão, foi o suficiente. Ela percebeu. Conversaram então, besteiras, política, o mundo atual. Tudo fazia sentido. Marcaram um encontro. Mais um, e outro.
Até que ela o convidou pra entrar. Finalmente, a certeza da vitória. Inacreditável. Nem era tão bonito assim, mas ela. Ela era linda. E cada sorriso que lhe dava era novo, uma sensação nova. O mais lindo e sincero olhar do mundo. Não conseguiria mentir, o olhar e o homem, não sobre como ela era. Um suspiro.
Era o cara mais divertido que já conhecera. Sensato, direito, inteligente. Mas lento. Deu todas as indiretas. Ele nada. Arriscou. Chegou mais perto, e quase disse alguma coisa. Um beijo. Nada mais devia ser dito.
Deixaram-se levar pelo amor. Isso, amor. Ele a amava. Queria lhe dizer, mas não sabia como. Eu te amo. Simples, um encanto. Eu também. Nostalgia, para os dois. Não dançaram pela sala, mas queriam. O que não queriam era parecer muito bobos.
Um ano. Mas já? O mais feliz da minha vida. Da nossa. É, nossa, agora eram um só. Não acreditavam. Era muita felicidade, qualquer coisa era motivo de alegria. A faculdade, o emprego, o noivado. Um sorriso, aquele sorriso. Era como a primeira flor a desabrochar na primavera, aquela que diz que tudo agora vai voltar a ser bonito.
A casa dos sonhos. Não era deles, mas com o tempo, tudo se tornou. Cada cantinho, cheiro e poeira. E o que mais importava, eles pertenciam um ao outro. Há muito tempo.
De repente, não eram mais só eles dois. Eram três. Como contar pra ele? Ele não ia gostar. Ela se enganou. Só brigaram pra escolher o nome. Roberto, o nome do tio herói de guerra. Não mesmo, dá azar, não vou colocar no meu filho um nome de gente morta. Arthur, que é nome de rei, muito melhor. Mas esse rei também já morreu. E agora? Se for menina, Amélia. O nome da sua mãe? Só pra me lembrar todo dia que ela existe? Maria então. Mas isso é nome de bolacha. A dúvida. E agora?
Não importava mais. O bebê mais lindo que eles já viram. Riu, pros dois. O nome ficou Arthur mesmo. A mulher tem sempre razão. Eram uma família agora. E uma das mais felizes. O novo. Aquilo sempre funcionou pra eles, sempre trouxe mais alegria.
Tossiu. Não foi nada. Tomou um comprimido qualquer pra gripe fraca. De novo. Não passou. Uma tontura, dor na cabeça. Desmaiou. Medo. Foram ao hospital, até que enfim. Desespero. Uma folha, um diagnóstico. Como a vida podia mudar tanto de uma hora pra outra? Mas já tinha acontecido. No começo. Só que dessa vez era o fim.
Ela não agüentava mais. Aquelas pessoas, aquele quarto, a luz, o cheiro. Queria a casa dela. O lugar que era deles. O câncer, bem, não tinha jeito.  Queria morrer em casa. Tristeza. Uma sensação velha, mas que a muito não experimentava. Era o amor da sua vida. Arthur entendeu. Quando voltou da faculdade e a mãe não estava lá. Chorou. Choraram. Lembranças.
Mas agora, agora ela voltara. Estava com ele, ali. Na cama, no leito. Com ele. Segurava a sua mão e sorria. O sorriso. Uma alucinação. Era o seu fim, mas como? Sua vida acabara anos antes. Não, não era um novo fim. Apenas mais um começo.

Um comentário:

  1. Esse conto eh tao fofo, mas por mais que eu tente nao paro de imaginar a Cassie.

    ResponderExcluir