sexta-feira, 22 de outubro de 2010

(Des) Pedaços

O pai saiu do cômodo sério e com passos firmes. Um tanto envergonhado pela gritaria que havia acontecido há pouco no quarto. A mãe veio logo atrás, a raiva explicita em cada movimento. Voltou a gritar seguindo o marido.
“Ex, agora.” Pensou a filha sentada à mesa para almoçar.
A mãe visivelmente exaltada, delatava tudo o que ele haveria feito. O mundo precisava saber.
Expulsou-o de casa. Era o fim, afinal.
O pai, como um velho CD arranhado, apenas repetia que não iria a lugar algum. Se queria convencer os filhos ou a si mesmo, não se sabe.
Uma cena incomum. Incomum para aquela família que se despedaçava.
Em seu quarto a caçula chorava por uma dor que não conseguia entender. Os outros fingiam que nada havia acontecido. Que aquilo não era com eles. Concentravam-se na comida, nas matérias que iram estudar, nas notas, na rotina.
Quando o pai sentou-se à mesa para a refeição, uma dúvida surgiu na cabeça da menina. Tão rápido quanto uma luz sendo acesa. Assim como um clique de uma máquina. Clique.
A dúvida a tornou diferente dos outros. Mesmo que só por um momento. Como se fosse a única cor no meio de um filme preto e branco.
— Pai, — Começou baixinho. — Se tu realmente sair de casa... — Era agora, a pergunta que não queria calar. — Compra um apartamento em Tirol?
— Eu não vou sair de casa. Não vou a lugar algum. — Respondeu o pai, um tanto quanto frio.
— Tudo bem, — Estava mais tranqüila, por finalmente ter falado. — Mas não esquece. — Ela precisava garantir.

Antes de tirar rápidas conclusões sobre como a garota não entendeu o que toda a situação significava, pense nos acontecimentos e na pergunta. Sei que concluirá que aconteceu exatamente o contrário. Foi por entender totalmente a semântica da história que ela perguntou aquilo. Oras, não foi com ela. Ela não tem culpa do pai ter feito o que fez.
Saber que nada de muito grande mudaria em sua vida era o principal. Ela continuaria sendo sua mãe. Ele continuaria sendo o seu pai. Apenas não estariam mais juntos.  Estariam em casas e vidas separadas. Com apenas um elo de ligação. Ela não mudaria de escola ou perderia amigos. Ela ficaria bem. Ela vai ficar bem. Todos vão.

“No final tudo dá certo, se ainda não deu certo, é porque ainda não chegou ao fim”
Fernando Sabino

Um comentário:

  1. Não me leve a mal, mas esse texto me traz muitas lembranças ruins, e me faz ter uma vontade enorme de chorar :/

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